Artigo do ministro Aldo Rebelo: Catedrais do profano

Última atualização em Quarta, 26 Fevereiro 2014 19:35
Escrito por Paulo Roberto Rossi de Oliveira
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O ciclo da borracha que financiou a fase áurea da Amazônia na travessia dos séculos XIX e XX deixou em Manaus o majestoso Teatro Amazonas. Inaugurado em 1896, pontificou, ao lado do Teatro da Paz de Belém, como ícone arquitetônico do processo civilizatório no Norte do Brasil. Agora, ganhou um concorrente pós-moderno, a Arena da Amazônia, majestosa praça de esportes e lazer que confronta dois ambientes de nossa história.

Cotejo de teatro e estádio é arriscado, mas vale observar que as duas obras demarcam mudanças profundas entre uma e outra. A casa de espetáculos cênicos refletia um país que apesar de independente e recém-republicano ainda vivia de olhos no estrangeiro em vez de mirar suas entranhas, mudança de ótica que ao menos no plano intelectual foi propiciada pela publicação, em 1902, dos Sertões de Euclides da Cunha, bem identificado por Roquette Pinto como “o novo bandeirante de uma nova entrada para a alma da nacionalidade brasileira.”

Para o teatro foram importados material, peças de decoração, arquitetos, construtores, pintores e escultores da Europa. Lá se apresentavam companhias de ópera estrangeiras que não esticavam ao Rio e São Paulo. Seus 700 lugares eram ocupados pelos barões da borracha e apaniguados. Já o estádio nasce para multidões, com mais de 40 mil assentos. Se um tem cúpula barroca, inspirada na Ópera de Paris, a cobertura do outro desenha na paisagem um cesto de palha indígena carregado com frutas típicas do Brasil – a atestar a regionalização da Copa de 2014, pois não faria sentido neste país continental e diversificado concentrar o Mundial no Centro-Sul.

Iniciado pelo Pacaembu em 1940, e consolidado pelo colosso do Maracanã em 1950, a era dos grandes estádios atinge agora modernidade compatível com a importância que o brasileiro dá ao futebol. Como os sambódromos que pipocam pelo País, guardam a imponência de catedrais do profano.

Nesses dias, a Amazônia também comemorou, em Macapá, a reforma e reinauguração de outra praça de esportes que se destaca por uma singularidade: o campo é dividido pela linha imaginária do Equador, ficando um lado no Hemisfério Norte e outro no Hemisfério Sul. Por ser o ponto de latitude zero, a inventividade popular batizou-o de Zerão. A alegria do Amapá com a revitalização do estádio mostrou que a população sentia falta daquele palco da identidade nacional.

Aldo Rebelo
Ministro do Esporte


Artigo publicado na edição de sábado (22.02) do Diário de S. Paulo