Artigo do ministro Aldo Rebelo: A bola fora da Anistia Internacional

Publicado em Terça, 20 Maio 2014 09:58

A História registra numerosos casos de organizações que degeneraram ao tomar um atalho embaraçoso da trajetória original. O escritório da Anistia Internacional no Rio parece hipertrofiado pela síndrome do pequeno poder, patologia com viés político que faz o doente extrapolar a competência e exorbitar a autoridade. Depois de jornadas memoráveis em defesa dos prisioneiros de consciência, na falta deles, agora, a Anistia engendra campanhas que oscilam entre o sofisma patético e a piada surreal.

Após dez anos sem representação no Brasil, a organização reinstalou-se no Rio em 2011, com uma diretoria partidarizada que almeja ser a ouvidoria da nação. Critica a construção da usina de Belo Monte, defende a unificação das polícias Civil e Militar, faz circular um abaixo-assinado pela revisão da Lei da Anistia e, para isso, quer conduzir a presidente da República à Comissão da Verdade, quando ela já declarou respeito aos pactos que propiciaram a redemocratização. Sua última iniciativa é a campanha internacional “Brasil, chega de bola fora’’. O movimento teria o propósito de mobilizar o mundo para pressionar o país a não reprimir protestos durante a Copa do Mundo: “Diga ao governo brasileiro que protesto não é crime. Dê a eles um cartão amarelo.”

Isso é recado para ditadura. O Brasil vive o período mais duradouro e profundo de liberdades democráticas de sua História. A geração que chegou ao poder sofreu literalmente na carne a máxima inversa: protesto era crime. Hoje, tutela a liberdade de manifestação que lhe foi raptada nos anos de chumbo, quando muitos pagaram com a vida a ousadia da insurgência. Desde a redemocratização, construímos um estado de direito tão elástico que alguns até o consideram facilitador da sabotagem da democracia. Atualmente, vândalos flagrados em ação são assistidos ao vivo por ativistas de plantão, que chegam à delegacia antes deles.

Não saiu do governo federal, empenhado em realizar a Copa da Paz, um só ato restritivo do direito à manifestação pública. A rua é o palco da liberdade. Mas não é lícito aplaudir “manifestantes” praticando saques no comércio, vandalizando equipamentos de utilidade pública, incendiando ônibus do transporte popular e carros da imprensa, depredando prédios da democracia representativa, agredindo jornalistas, ferindo transeuntes, imolando policiais como tochas humanas. A Anistia quer que o mundo diga às autoridades do Rio de Janeiro que não é crime explodir coquetel molotov em atos a que pessoas de boa-fé levam os filhos para defender as causas justas do povo? Não é crime matar cinegrafista que registra o próprio desempenho dos manifestantes? Merece cartão amarelo a responsabilização de delinquentes que, pela truculência, até inibem legítimas manifestações populares? A sociedade brasileira não se opõe a manifestações, mas repudia o cavalo de Átila, que não deixa grama por onde passa.


Aldo Rebelo
Ministro do Esporte


Artigo publicado na edição desta terça-feira (20.05) no jornal O Globo.