"O acarajé é um símbolo da Bahia", diz ministro Aldo Rebelo
Donaldson Gomes
A Tarde
Obrigar um estádio inteiro a comer apenas produtos da Mc Donald's durante os jogos da Copa do Mundo não faz sentido para o ministro do Esporte, Aldo Rebelo. Com uma história de defesa da cultura nacional, ele acredita que a Copa do Mundo dará ao Brasil a oportunidade de apresentar uma cultura rica para mais de três bilhões de pessoas.
O Brasil está em contagem regressiva para receber a próxima Copa do Mundo e a sensação de muitos brasileiros diante da insegurança, nos engarrafamentos e com os problemas no transporte aéreo é que o País não está preparado para receber um evento do porte. Qual é a sua opinião?
Não apenas está preparado, como digo que o Brasil está preparado para receber a Copa há muito tempo. Desde que recebemos com muita alegria a confirmação de que vamos sediar o evento passamos apenas a aperfeiçoar o que nós já tínhamos. Apesar de trazer um grande orgulho para nós sediar um evento como uma Copa do Mundo, nós já temos aqui no Brasil uma série de coisas que são muito mais importantes que qualquer obra que porventura façamos nos próximos anos para receber grandes eventos esportivos. Somos um País com uma grande unidade linguística e cultural. Estamos acostumados a organizar eventos de grande porte com sucesso.
Por exemplo, ministro?
Um belíssimo exemplo é o Carnaval de Salvador, que é reconhecido como uma festa magnífica, organizada todos os anos aí na Bahia com grande sucesso.
Sim, mas a exigência, em termos de padrão de serviço, é diferente entre um carnaval e uma Copa, não é?
Isso não é verdade, nós temos a obrigação de oferecer a mesma excelência em todos os eventos que realizamos. E o Carnaval é uma festa incrível. Durante as Olimpíadas de Londres, o primeiro-ministro inglês elogiou o Carnaval, dizendo que para ele se trata de uma festa magnífica. Provavelmente durante o Carnaval de Salvador sejam registrados alguns problemas no trânsito da cidade, com engarrafamentos, como nós verificamos que aconteceu em Londres. Nas Olimpíadas, nós vimos queixas de perda de bagagens, atrasos em voos e engarrafamentos. São coisas indesejáveis, mas que acabam acontecendo. Eu tive que cancelar algumas entrevistas com jornalistas durante os Jogos Olímpicos por conta de atrasos deles provocados por engarrafamentos.
Neste caso, o que justificaria a ideia expressa por muitos brasileiros de que o País vai passar um vexame que será visto por todo o mundo? É problema de autoestima?
Não é questão de autoestima de maneira alguma. O brasileiro tem a autoestima bastante elevada. Essa sensação pode partir de algumas pessoas, de grupos isolados. O Brasil tem problemas, sim. Salvador tem problemas, sim, mas eu não conheço nenhum visitante que conheceu o Carnaval e tenha desistido de voltar por causa dos problemas. Quando um evento como este aparece, temos a oportunidade de superar algumas deficiências, mas isso não quer dizer que as coisas hoje não prestam.
Mas existem desafios que precisam ser superados nos próximos dois anos...
Existem desafios, mas isso não quer dizer que o que o povo brasileiro já fez não presta. Nós já realizamos uma Copa do Mundo em situação mais adversa, em 1950. Na época, o mundo saía de uma guerra e havia uma série de dificuldades. O Estádio do Maracanã foi construído em dois anos. Difícil foi construir Manaus, uma capital no meio da floresta. Difícil foi construir uma metrópole magnífica como Salvador, que demandou muito esforço. Quantas cidades no mundo têm uma cultura tão rica quanto Salvador? Volto a dizer, quem organiza um Carnaval como a Bahia não precisa ter medo de Copa do Mundo. Difícil foi construir Brasília em quatro anos. Óbvio que será necessário utilizar estratégias para garantir a mobilidade das pessoas durante os jogos, mas isso será resolvido. Eu acho que vamos fazer uma grande festa, que vai mostrar ao mundo o grande País que construímos aqui.
Como estão os preparativos para a Copa?
Os estádios são obras privadas, mas nós temos a preocupação em acompanhar o andamento das obras para que todos sejam entregues dentro do prazo previsto. A Fonte Nova vai ser um grande estádio, que já está sendo cobiçado por administradores de arenas esportivas de diversos lugares do mundo. Nós estamos trabalhando também para garantir a segurança durante os eventos esportivos. A violência é um problema generalizado nas grandes cidades e precisamos trabalhar para controlar essa situação. Também temos que garantir a mobilidade das pessoas, não apenas durante o evento, mas assumimos um compromisso em relação ao período.
Em relação à mobilidade urbana, existem incertezas em Salvador quanto ao funcionamento da linha 2 do metrô, entre o Aeroporto e a Rótula do Abacaxi. O trecho vai funcionar até 2014 ou será necessário adotar soluções alternativas?
Mesmo que o trecho não esteja funcionando durante a Copa do Mundo, certamente vai funcionar depois. É o tipo de obra que também serve à Copa, não é feita para a Copa. Para nós, o sistema de metrô deve atender às necessidades do povo de Salvador. Falava-se em metrô na cidade de Salvador antes de o Brasil pensar em Copa do Mundo. Para a Copa, nós vamos estudar as soluções que forem necessárias.
No caso de a obra não ficar pronta, Salvador poderia sofrer alguma sanção da Fifa?
As obras de infraestrutura não fazem parte dos encargos que nós ou qualquer dos outros países que se candidataram a receber o mundial assinaram. Qualquer outro encargo determinado pela Fifa posteriormente à assinatura tem que ser conversado. O que é essencial para a realização do mundial é o estádio e as obras nas proximidades do estádio. Essas exigências foram assinadas por todos os países candidatos ao evento.
Por falar nas exigências da Fifa, como vai ser a venda do acarajé? As baianas serão impedidas de vender na Arena Fonte Nova?
O acarajé será vendido normalmente. Não vejo nenhum sentido esta ideia de que a venda poderia ser prejudicada. É um símbolo cultural importantíssimo, uma grande marca da Bahia. Não tenho nenhuma outra expectativa. Seria uma tolice e atentaria contra o espírito da Copa, mas como disse, não vejo motivos para imaginar alguma restrição à venda do produto.
E dentro do estádio, pode haver restrição, por conta dos patrocinadores?
Eu não sei, mas sinceramente desconheço restrições a alimentos. Sei que tem em relação a bebidas. Agora, eu acredito que não dá para obrigar o estádio inteiro a consumir Mc Donald's.
Após a assinatura da Lei Geral da Copa, com a permissão para a venda de bebidas, o Brasil ainda tem pendências em relação à Fifa?
Não, nós já cumprimos tudo. Ainda existem pendências em alguns estados e cidades quanto à venda de bebidas nos estádios, mas acreditamos que nada que comprometa a realização do evento.
Como é para o senhor, que sempre foi um nacionalista, defensor da cultura brasileira, lidar com as regras da Fifa que tornam tudo tão padronizado dentro dos estádios?
Nós assinamos uma lista de encargos. Volto a dizer, nós e todos os outros países interessados em receber o campeonato. A Fifa não nos procurou, o Brasil procurou a Fifa e aceitou uma série de exigências que a entidade fez. Tudo o que foi assinado será cumprido. O Brasil estará na vitrine para três bilhões de telespectadores. Vamos mostrar ao mundo um País que deu certo. Quando o mundo vir Salvador durante a Copa, vai se deparar com uma cidade de uma riqueza cultural e de beleza natural impressionante.
Quanto o governo brasileiro vai gastar para a realização da Copa do Mundo?
O governo não vai gastar absolutamente nada para organizar a Copa do Mundo, que é um evento privado, feito com recursos privados. O que será feito pelo governo são as obras de infraestrutura que já estavam previstas antes da decisão de abrigar o mundial e que serão tocadas para atender aos interesses da população brasileira. Eu posso dizer que nós teremos um número impressionante de benefícios para o Brasil. Entre Copa e Olimpíadas, os grandes eventos esportivos previstos devem gerar mais de 3,6 milhões de empregos no País, o que é um número impressionante.
Neste caso, quanto o governo federal pretende gastar para a conclusão das obras de infraestrutura que já estavam previstas antes, mas serão utilizadas durante a Copa do Mundo?
O volume é estimado em R$ 30 bilhões, incluindo-se aí os valores que serão emprestados à iniciativa privada para a construção dos estádios. Como se tratam de empréstimos, estes valores serão pagos.
O senhor tem acompanhado a Seleção Brasileira, ministro?
Sim, com certeza.
Dá para dizer que o título mundial será mais um dos legados da Copa ou o futebol apresentado preocupa?
Não preocupa. Eu acho que nós vamos acertar e o título vai coroar o trabalho do Brasil na organização do mundial.
O senhor se preocupa com a possibilidade de uma possível derrota ofuscar o trabalho de organização da Copa do Mundo?
De maneira nenhuma, é como eu dizia, eu não considero a possibilidade de o Brasil perder esta Copa por uma razão bem simples: nós temos os melhores do mundo. A Argentina tem o Messi, Portugal tem o Cristiano Ronaldo, mas o Brasil tem em um mesmo time o Neymar e o Lucas. Nós temos os melhores zagueiros, os melhores meio-campistas e os melhores atacantes do mundo.
Entrevista publicada pelo jornal A Tarde, da Bahia, nesta segunda-feira (15.10.2012)