ARTIGO SOBRE RDC: "Ganha o contribuinte", publicado pelo jornal O Globo, em 27.06

Publicado em Segunda, 27 Junho 2011 14:20

A proposta do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para obras e serviços da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 gerou um debate salutar sobre a modernização das licitações públicas. Nesse debate, chama atenção a atuação decidida, embora discreta, do mercado fornecedor de obras públicas contra as inovações.

Existe quase um consenso entre gestores públicos sobre a ineficiência de aspectos da atual legislação, que, com excessivo foco em procedimentos formais, instituiu um processo licitatório cheio de chicanas administrativas e jurídicas que costumam resultar em enorme quantidade de obras paralisadas, preços abusivos e contratação de empresas pouco qualificadas que nem sempre entregam o objeto contratado.

O texto muda paradigmas consolidados há anos nos contratos públicos. A maior inovação é a possibilidade de licitação de obras pelo sistema de contratação integrada, no qual, num único contrato, a administração obterá os projetos básico e executivo, a execução e a entrega da obra.

O sistema é utilizado em países como Inglaterra, Espanha, Portugal, Estados Unidos e Argentina, e apresenta vantagens sobre o modelo atualmente usado no Brasil. Começa por reduzir a chance de falhas no projeto básico, principal motivo de interrupção de obras e aumento indiscriminado de custos, uma vez que projetos falhos ensejam termos aditivos que, muitas vezes, ultrapassam os limites impostos pela legislação, colocando em risco a segurança jurídica e econômica da relação contratual. O modelo obriga as duas partes a buscarem a boa qualidade dos projetos, já que não serão admitidos aditivos para correção de falhas.

Por que, então, a resistência às mudanças? É que o novo regime muda o equilíbrio de poder no processo licitatório; fortalece o lado governamental. De refém das licitantes, a administração pública volta a ser a condutora do processo.

A não divulgação, no edital, do valor estimado para a contratação obrigará as licitantes a estudarem detidamente o objeto para oferecer um orçamento realista, em vez de, como hoje ocorre, simplesmente aplicarem um desconto linear sobre a estimativa orçamentária. No RDC, a administração continuará projetando o valor, até porque necessita prever o gasto no orçamento anual. Mas ele só será divulgado às empresas ao término da licitação, permanecendo à disposição dos órgãos de controle a qualquer momento. Pretende-se que a estimativa se torne um instrumento do governo para obtenção de descontos significativos e consequente redução do valor do contrato. O contribuinte sairá ganhando.

Inverter as fases e diminuir a quantidade de recursos leva a ganho de tempo e simplificação de procedimentos. E a remuneração variável racionaliza os contratos. Esses mecanismos deslocam o poder no processo de contratações públicas, ao tempo que mantêm o absoluto controle dos órgãos de fiscalização sobre cada etapa do processo, porque não haverá abrandamento do controle dos gastos nem flexibilização das licitações.

Isso explica a reação contrária à modernização de uma legislação que há muito se afastou das melhores práticas internacionais e não tem sido efetiva na superação do déficit de infraestrutura no Brasil.

Ricardo Leyser
Secretário Nacional de Esporte de Alto Rendimento do Ministério do Esporte

Pedro Benedetti
Advogado especialista em contratações públicas