O Congresso Nacional vem discutindo uma proposta para criar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), a ser aplicado a licitações e contratos de obras de infraestrutura e de serviços para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. O que se pretende é ajustar a Lei nº 8.666, de 1993, à nova realidade de um Brasil que se modernizou e se desenvolveu durante os quase 20 anos de vigência da lei. Um Brasil que passou a ter novos anseios e outras necessidades, inclusive para melhorar procedimentos da administração pública.
A preparação para os dois megaeventos esportivos é o momento propício para discutir a reforma necessária nessa norma jurídica que inegavelmente teve importância mas que não atende mais ao conjunto de suas finalidades, sobretudo se considerados os relevantes compromissos internacionais assumidos pelo país. A lei carece de mínima preocupação pragmática com resultados e, acobertada pela burocracia, não vê mais aplicabilidade para vários de seus conceitos e princípios.
A legislação precisa resgatar os objetivos básicos de um processo de compras públicas, quais sejam a garantia de entrega tempestiva de obras e serviços, a garantia da qualidade, a garantia da economicidade e a garantia de atendimento aos princípios jurídicos que se aplicam às relações comerciais entre o Poder Público e o mercado fornecedor.
A proposta discutida na Câmara, e que o Correio vem acompanhando atentamente, apresenta inovações que, por certo, acarretarão em maior agilidade para os objetivos propostos, sem, entretanto, abrandar o controle dos gastos públicos ou modificar a responsabilidade originária dos órgãos de fiscalização. Estão mantidos diversos conceitos da norma vigente, como as formas de contratação de empreitada por preço global, por preço unitário e empreitada integral; os tipos de licitação por menor preço, técnica e preço e melhor técnica; e a inversão de fases do procedimento licitatório, mecanismo hoje possível apenas na modalidade pregão e que vem sendo adotado com grande sucesso pela administração pública.
Mas o texto vai além, e propõe que o Brasil adote o sistema de contratação integrada (do inglês turn key), no qual, por um único contrato, será possível à administração pública obter o projeto básico, o projeto executivo, a execução e a entrega da obra. A contratação integrada é amplamente utilizada em compras governamentais de diversos países, entre eles Inglaterra, Espanha, Portugal e Estados Unidos. De acordo com órgãos de controle, o principal motivo para a paralisação de obras públicas no Brasil são falhas na elaboração do projeto básico - e projetos falhos ensejam a celebração de termos aditivos que, muitas vezes, acabam por ultrapassar os limites impostos pela própria legislação. O sistema proposto reduz o risco de ocorrência dessas falhas, e trará mais segurança jurídica e econômica à relação contratual estabelecida.
Outras vantagens desse modelo são a economia do tempo para efetivar a contratação, já que de uma só vez a administração poderá contratar a totalidade da obra, e a otimização do trabalho dos órgãos fiscalizadores, porque apenas um contrato precisará ser auditado, o que vai provocar menos burocracia, mais transparência nos gastos e maior agilidade nas ações de controle.
De acordo com o texto, pode-se concluir que, no regime diferenciado, não haverá qualquer flexibilização de processos de licitação ou facilitação dos procedimentos para as contratações. Ao contrário, a adoção desse novo modelo permitirá ação mais efetiva e melhor desempenho dos órgãos de controle, além da gestão racional e adequada dos recursos públicos aportados.
A discussão em torno do regime diferenciado e das inovações nele propostas deve ir além de garantir a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos no Brasil. Temos a oportunidade de trazer ao centro do debate novos processos e procedimentos que resultarão em maior eficiência e modernização dos conceitos aplicáveis às compras governamentais. Essa proposta, se aprovada no Poder Legislativo e promulgada pelo Executivo, será um dos primeiros legados dos eventos que iremos sediar.
Ricardo Leyser
Secretário Nacional de Esporte de Alto Rendimento do Ministério do Esporte
Pedro Benedetti
Advogado especialista em contratações públicas