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Confira artigo do sociólogo Alberto Carlos Almeida publicado no jornal Valor Econômico
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- Publicado em Sexta, 14 Dezembro 2012 20:58
Copa, Olimpíada e vira-latas
Firma-se a percepção de que o Brasil é capaz de organizar grandes eventos, para desgosto de quem prefere pensar pequeno
Por Alberto Carlos Almeida, para o Valor, de São Paulo
Diminuiu sobremaneira a cobertura negativa da imprensa a respeito de nossa Copa do Mundo e nossa Olimpíada. Até bem pouco tempo atrás, havia quem dissesse que o novo Maracanã seria inaugurado com 24 anos de atraso e que, por critérios matemáticos, os estádios da Copa não ficariam prontos a tempo. Quem quiser pode hoje acompanhar as obras do Maracanã em tempo real na página www.maracanaonline.com.br, na qual verá que o estádio ficará pronto para a Copa das Confederações - um ano antes, portanto, da Copa do Mundo. As previsões catastrofistas sobre o Brasil, como de costume, não se confirmaram.
Aliás, quanto a isso, cabe parabenizar o Grêmio pela construção e inauguração de sua novíssima arena. O clube gaúcho acaba de mostrar para o Brasil quanto somos capazes de fazer as coisas de forma correta, quanto somos capazes de surpreender a nós mesmos, brasileiros, mostrando que nem sempre somos o Narciso às avessas de Nelson Rodrigues, aquele que cospe em sua própria imagem. Não haverá jogos da Copa na arena do Grêmio. Poderemos nos dar a esse luxo, já que, de agora em diante, várias outras arenas modernas serão inauguradas.
Se o Brasil fosse predominantemente feito de vira-latas rodrigueanos não teríamos aceitado realizar nem a Copa do Mundo nem a Olimpíada. Nas últimas décadas, tornou-se uma tarefa complexa e arriscada a organização desses dois grandes eventos. A Olimpíada nem sempre deu lucro para seus organizadores: apenas em dezembro de 2006, ou seja, mais de 30 anos depois dos Jogos de Montreal, os moradores da província de Quebec terminaram de pagar a dívida de 1,5 bilhão de dólares canadenses, tendo sido aplicada, para tanto, taxação sobre o consumo de cigarros. Em Los Angeles, o reaproveitamento das instalações foi um dos recursos utilizados para diminuir os gastos públicos com os Jogos.
Aliás, foram os Jogos de 1984, de Los Angeles, que representaram o divisor de águas na história da Olimpíada. Até então, nenhuma sede obtivera resultados financeiros lucrativos com a organização da Olimpíada. Pouco antes, em 1983, o Comitê Olímpico Internacional (COI) dera início a uma estratégia consistente de marketing, para promover a Olimpíada, incluindo a nomeação de um diretor para cuidar do setor, Michael Payne. Juan Antonio Samaranch, então presidente do COI, definiu três objetivos: segurança financeira, controle sobre a agenda olímpica e criação de unidade política entre os parceiros do movimento olímpico.
A transformação da Olimpíada em um evento midiático foi uma das principais medidas para gerar lucro: a transmissão por todas as redes de TV do mundo resultou em um negócio milionário sob controle do COI. Com a crescente atenção gerada e a decorrente visibilidade para parceiros e patrocinadores, os Jogos foram crescendo. O resultado foi o aumento de encargos para as cidades-sede e riscos crescentes para os envolvidos. Após os Jogos de Pequim, em 2008, marcados pela suntuosidade e pela construção de instalações custosas, o COI passou a adotar a sustentabilidade como um dos princípios fundamentais a serem seguidos.
Aliás, depois do encerramento dos Jogos de Londres, o presidente do COI, Jacques Rogge, exaltou o modelo sustentável, afirmando que não haverá elefantes brancos. E disse mais: São muitas lições de Londres para o Rio. A mais importante é que o legado e a sustentabilidade foram pensados desde o início. Antes, as cidades cuidavam do legado depois dos Jogos. E Londres fez isso durante a organização dos Jogos.
A Copa do Mundo da Fifa passou pelo mesmo processo de transformação em big business. Isso é comprovado pelo aumento do número de países envolvidos. A primeira competição, realizada em 1930 no Uruguai, teve 13 participantes. Na segunda edição, realizada na Itália em 1934, o total elevou-se a 16 seleções, número que se manteve até a Copa de 1978, na Argentina. Entre 1982, na Espanha (12ª Copa), e 1994, nos Estados Unidos (15ª), 24 países participaram da competição. A partir de 1998, na França, o número de participantes foi elevado a 32, mesmo número previsto para a Copa de 2014, no Brasil. Mais significativa foi a evolução do número de concorrentes nas etapas classificatórias. Dos 13 países inscritos na Copa de 1930, passou-se a 203 candidatos nas eliminatórias de 2010, aos quais se juntava o país-sede.
Como consequência desse processo, a quantidade de cidades-sede em cada país responsável por receber a competição também veio aumentando. Isso demandou a construção e a reforma de estádios de acordo com padrões técnicos de primeira qualidade, além de mais investimentos na infraestrutura e serviços locais, como transporte, hospedagem, segurança pública, saúde, telefonia, televisão etc. Diante desse quadro, críticas têm sido feitas aos países e cidades-sede, tanto antes quanto depois dos eventos, a maioria questionando a relação custo-benefício e o efetivo legado para a população.
Evitar que a organização de megaeventos deixe legados desastrosos não é tarefa fácil. No caso da Olimpíada, um evento nunca é igual aos anteriores. Mudam, por exemplo, o número de esportes e a quantidade de atletas participantes. Por isso, é fundamental o planejamento cuidadoso de políticas públicas factíveis e a seleção de áreas que se quer atingir. A história da Olimpíada está cheia de legados desastrosos: instalações que nunca mais foram utilizadas, orçamentos que levam anos para serem pagos, regeneração urbana que não se realiza.
Para avaliar a importância de grandes eventos, é preciso ir além da simples apreciação dos impactos econômicos imediatos. Alguns efeitos demandam prazos mais longos, outros transcendem o âmbito regional, espalhando-se pelo mundo. O COI, por exemplo, tem controle sobre as principais fontes de financiamento e as distribui para comitês olímpicos nacionais e organizações dedicadas ao esporte: a dimensão econômica dos Jogos difunde-se pelo mundo todo. Além disso, há consequências intangíveis, isto é, benefícios de natureza social e cultural, como o fortalecimento da marca do país e da cidade e sua projeção internacional.
O Brasil, ao sediar esses dois megaeventos esportivos, será beneficiário de efeitos positivos incontestáveis sobre a imagem do país e das cidades-sede. Há sofisticados estudos acadêmicos que mostram que não apenas países que hospedaram a Olimpíada tiveram um incremento de 20% no comércio exterior. Os países que se candidataram, mas foram mal sucedidos, também se beneficiaram. Segundo alguns estudos, o sinal que o país emite para o mundo quando se candidata seria tão importante quanto o fato de sediar o evento.
A Copa das Confederações ocorrerá na data programada e com os estádios prontos. A Copa do Mundo também. A Olimpíada do Rio de Janeiro será realizada de maneira primorosa e ocorrerá de forma a não ficar atrás dos Jogos de Londres em nenhum aspecto da organização. A esta altura dos acontecimentos, não deve restar dúvidas nem para o mais pessimista de nossos catastrofistas. É preciso erguer a cabeça e admitir que ser brasileiro não nos faz nem melhores nem piores do que ser inglês, francês, chinês ou americano.
Exatamente por isso, é preciso deixar de lado o pessimismo e o complexo de vira-latas e olhar para a frente, com o objetivo de aproveitar da melhor maneira possível o legado dos megaeventos.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo"
Artigo publicado pelo jornal Valor Econômico nesta sexta-feira (14.12)